Desvendando a Alfabetização na Era da BNCC
- Thalia Fernandes
- há 3 dias
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A alfabetização é uma das etapas mais sensíveis do processo educacional. No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trouxe novas diretrizes e perspectivas para garantir que todas as crianças tenham acesso a uma alfabetização de qualidade, principalmente nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Neste artigo, exploraremos as principais propostas da BNCC para a alfabetização e como essas diretrizes vêm sendo implementadas nos últimos anos.
O que é a BNCC?
A BNCC é um documento normativo que estabelece os direitos de aprendizagem e desenvolvimento que devem ser garantidos a todos os estudantes da Educação Básica no Brasil. Aprovada em 2017, ela busca promover uma educação mais equitativa e de qualidade, com foco no desenvolvimento de competências essenciais. No que diz respeito à alfabetização, a BNCC trouxe mudanças significativas que visam padronizar o processo de ensino, sobretudo nos anos iniciais.
Fazendo um recorte histórico, a autora Mortatti, a partir de uma perspectiva histórica, traz em seus artigos a disputa entre métodos ao longo das décadas e como essa discussão se tornou o foco principal dos debates sobre alfabetização, em vez de olharmos para o processo em si. Enfim, com a padronização da alfabetização em todo o território brasileiro, teorias e concepções aparecem em todo o documento, e há um resgate do método fônico, agora de forma mais contextualizada, diferentemente das primeiras cartilhas. Exemplo: "Ivo viu a uva". Além disso, observa-se uma integração de interacionismo e construtivismo.
Alfabetização na BNCC: Um Processo Centrado no Aluno
A BNCC não define um método específico de alfabetização, permitindo que as redes de ensino e os professores tenham autonomia para adaptar as práticas às realidades locais. No entanto, o documento destaca a importância de garantir que os estudantes sejam alfabetizados até o final do 2º ano do Ensino Fundamental. Esse prazo representa uma mudança significativa em relação às diretrizes anteriores, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que previa a conclusão da alfabetização até o 3º ano.
Nesse sentido, essa antecipação para o 2º ano visa assegurar que as crianças dominem o sistema de escrita alfabética o quanto antes, facilitando a continuidade dos estudos com foco na ortografia, compreensão de texto e fluência leitora. Além disso, a BNCC ressalta que a alfabetização é um processo complexo, que vai além da simples decodificação de palavras.
Diferentemente da BNCC, a Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída pelo Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019 ficou em vigor até 2022, que propunha a alfabetização em apenas um ano, com foco no método fônico, mais especificamente na consciência fonológica.
A Linguagem como Forma de Interação
Um dos princípios fundamentais da BNCC é a visão da linguagem como uma ferramenta de interação social. De acordo com a Base, o ensino da língua deve se basear em práticas sociais reais, o que significa que os textos e atividades trabalhados em sala de aula devem refletir o uso cotidiano da língua. Isso representa uma ruptura com abordagens mais tradicionais, que muitas vezes utilizavam textos artificiais e descontextualizados, como frases repetitivas e sem significado real.
A BNCC reforça a necessidade de que os estudantes trabalhem com textos que tenham uma função social clara. Assim, desde os primeiros anos, as crianças são incentivadas a compreender não apenas como se lê e escreve, mas também para que servem esses conhecimentos. Essa abordagem se alinha aos estudos de teóricos como Emilia Ferreiro, que defende a alfabetização como um processo de construção ativa por parte do aluno.
A Alfabetização Explícita: Unindo Teoria e Prática
A BNCC propõe uma abordagem que mescla o foco nas práticas sociais de leitura e escrita com atividades que exploram o sistema alfabético. Observa-se um resgate do método fônico, de forma mais contextualizada, o que inclui atividades que exploram as relações entre grafemas e fonemas, e a consciência fonológica, termo que ganhou destaque no documento.
Além disso, as habilidades descritas na BNCC evidenciam uma aproximação com os métodos sintéticos, repaginados e integrados a abordagens construtivistas, como as de Piaget e Vygotsky. Esse equilíbrio entre o ensino explícito do sistema alfabético e as práticas sociais de leitura e escrita visa garantir que os estudantes não apenas dominem as habilidades técnicas de leitura e escrita, mas também compreendam o significado e a função desses conhecimentos em seu cotidiano.
A Importância do Multiletramento
Com a crescente presença das tecnologias digitais no dia a dia, a BNCC reconhece a importância do multiletramento, ou seja, a habilidade de ler e escrever em diferentes formatos e contextos. Isso inclui não apenas a leitura e escrita em ambientes físicos, mas também em plataformas digitais, que utilizam textos multissemióticos, como vídeos, áudios, imagens e interações em redes sociais.
Esse aspecto é particularmente relevante nos dias de hoje, quando os estudantes estão cada vez mais expostos a conteúdos digitais. A BNCC incentiva os professores a explorar esses novos gêneros textuais em sala de aula, preparando os alunos para lidar com as demandas de um mundo cada vez mais conectado e multimidiático.
Conexão com a Educação Infantil
Outro ponto importante da BNCC é a articulação entre a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. O documento reconhece que as experiências de leitura e escrita começam já na Educação Infantil, e que é preciso garantir uma continuidade no trabalho de alfabetização ao longo dos anos seguintes. Dessa forma, a alfabetização no Ensino Fundamental não é vista como um início abrupto, mas como a continuidade de um processo que já começou nos primeiros anos de vida.
Resultados e Reflexões Após a Implementação da BNCC
Desde a implementação da BNCC nas escolas brasileiras, observam-se alguns avanços importantes, especialmente na padronização de práticas pedagógicas e na clareza sobre as competências e habilidades essenciais que os alunos devem desenvolver. No entanto, desafios ainda persistem, principalmente em relação à desigualdade nas redes de ensino.
Enquanto algumas escolas, especialmente na rede privada, conseguiram adaptar-se mais rapidamente às novas exigências, muitas escolas públicas ainda enfrentam dificuldades, como falta de recursos adequados, grandes turmas e a necessidade contínua de formação docente.
Após o resultado do Ideb, foi possível observar um pequeno avanço em relação aos anos anteriores. Em 2023, a etapa de ensino do 1º ao 5º ano alcançou 6 pontos, o que representa um pequeno, mas significativo, progresso em relação aos anos anteriores. Esse resultado reflete os esforços de adaptação às diretrizes da BNCC e as melhorias no processo de alfabetização e ensino nas séries iniciais.

Além disso, dados do INEP ressaltam que a formação continuada dos professores é essencial para garantir que o ensino de acordo com as diretrizes da BNCC seja eficaz. Ainda assim, é necessário um maior investimento em capacitação e em melhores condições de trabalho para os docentes, principalmente nas regiões mais vulneráveis, onde a implementação plena da BNCC ainda enfrenta barreiras significativas.
Jovens Gênios e a Trilha de Alfabetização
A Jovens Gênios é um exemplo de ferramenta funcional e didática que apoia o aluno no processo de alfabetização e auxilia o professor no cotidiano escolar. Utilizando o conceito de Magda Soares em Alfaletrar, a plataforma oferece uma abordagem adaptativa ao ensino, facilitando a alfabetização por meio de atividades que abordam as diferentes facetas do aprendizado da leitura e da escrita, desde a decodificação básica até a compreensão crítica dos textos.
Ao integrar conteúdos alinhados à BNCC, a plataforma assegura que os alunos desenvolvam não apenas as habilidades técnicas necessárias, mas também a capacidade de aplicar essas habilidades em contextos diversos e reais. Dessa forma, a Jovens Gênios se posiciona como uma poderosa ferramenta tecnológica que enriquece as aprendizagens, potencializando os processos de alfabetização e letramento e contribuindo para a formação integral dos estudantes. Ao utilizar a tecnologia de maneira estratégica, a plataforma ajuda a transformar a educação, tornando-a mais acessível, eficiente e conectada às necessidades do mundo contemporâneo.
Considerações Finais
A BNCC padronizou e resgatou conceitos de alfabetização que já haviam sido superados, trazendo-os atualizados e contextualizados. Ao se relacionar com outras teorias e incorporar novos elementos, como o multiletramento, o documento oferece uma visão mais ampla e adaptada aos desafios contemporâneos. Dessa forma, ao alterar o paradigma e propor algo inovador enquanto política pública, a BNCC combina dois importantes conceitos de alfabetização: as práticas sociais de leitura e escrita, aliadas ao foco na consciência fonológica, que enfatiza a relação entre sons e letras.
A implementação desta proposta exige dos educadores uma prática reflexiva que conjugue: o domínio técnico dos processos de aquisição da base alfabética, a criação de situações autênticas de uso da linguagem, e a incorporação crítica das tecnologias digitais. Mais do que um documento normativo, a BNCC se configura como um convite à reinvenção da sala de aula - espaço onde crianças diversas devem ter acesso igualitário não apenas ao código escrito, mas às múltiplas possibilidades de expressão, pensamento e participação social que a alfabetização plena possibilita.
Os desafios de implementação são significativos (formação docente, recursos adequados, avaliação processual), mas a estrutura conceitual oferecida pela BNCC fornece os alicerces para uma alfabetização que seja, simultaneamente, científica, significativa e transformadora - preparando os estudantes não apenas para 'decifrar' palavras, mas para interpretar e intervir criticamente no mundo que os cerca.
Referências:
FERREIRO, Emilia. Alfabetização em Processo. São Paulo: Cortez, 1985.
SOARES, Magda. Alfabetização: A Questão dos Métodos. São Paulo: Contexto, 2020.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Métodos de Alfabetização no Brasil: Uma História Concisa. São Paulo: Editora Unesp, 2006. Disponível em: https://books.scielo.org/id/fqrmr/pdf/mortatti-9788595463394.pdf
Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em: Portal MEC
MEC. Ideb: Brasil avança nos anos iniciais do ensino fundamental. Notícias. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/agosto/ideb-brasil-avanca-nos-anos-iniciais-do-ensino-fundamental.
BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Alfabetização é marco para a educação brasileira. Portal MEC, [202-]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/75131-politica-nacional-de-alfabetizacao-e-marco-para-a-educacao-brasileira.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização (Sealf). Página oficial da alfabetização. [S.l.], [202-]. Disponível em: https://alfabetizacao.mec.gov.br.