O SAEB como instrumento de monitoramento e gestão da educação pública brasileira
- Felipe Diniz
- 30 de out.
- 17 min de leitura
*Artigo desenvolvido por: Amanda Glasser - Mestre em Educação.

Resumo
Este artigo analisa o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) como um dos pilares das políticas de qualidade e equidade na educação brasileira. Desde sua criação, em 1990, o SAEB vem se consolidando como uma ferramenta essencial para entender o que os alunos aprendem, quais fatores influenciam esse processo e de que forma os resultados podem apoiar o trabalho pedagógico nas redes públicas. O texto apresenta o percurso histórico e as transformações do sistema, destacando sua relação com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e com o fortalecimento da cultura avaliativa no país. O estudo dá ênfase à dimensão pedagógica das devolutivas, entendendo-as como o momento mais significativo do ciclo avaliativo, quando os dados ganham sentido e se transformam em reflexão e replanejamento. Por fim, discute os desafios atuais do SAEB, como o aprimoramento da apropriação dos resultados pelas escolas, a ampliação da formação de professores na leitura de dados e a importância de que a avaliação seja cada vez mais um instrumento de transformação, e não apenas de controle.
Palavras-chave: SAEB; Avaliação em larga escala; Políticas públicas educacionais; Devolutivas pedagógicas; IDEB.
Introdução
O debate sobre qualidade e equidade na educação pública brasileira ganhou força a partir da década de 1990, quando o país consolidou um novo paradigma de políticas baseadas em evidências. Até então, o foco principal era o acesso e a expansão da matrícula; a partir daí, a preocupação se deslocou para o que os alunos efetivamente aprendiam. Nesse movimento, emergiu o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) como uma ferramenta central para medir, compreender e induzir transformações no sistema educacional.
Criado e coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o SAEB representa o eixo estruturante das políticas de avaliação em larga escala no Brasil. Ele permite o acompanhamento longitudinal do desempenho dos estudantes e das condições de ensino, fornecendo evidências para a formulação e o monitoramento de políticas públicas.
Autores como Bonamino e Franco (2007) e Werle (2010) destacam que a consolidação do SAEB marcou a transição de uma política de Estado voltada à expansão quantitativa para uma política de qualidade com base em resultados. Contudo, conforme aponta Freitas (2016), a avaliação só cumpre seu papel democrático quando seus dados são interpretados pedagogicamente e utilizados para a melhoria das práticas escolares — e não apenas como instrumento de ranqueamento.
1. O contexto das avaliações em larga escala no Brasil
O SAEB nasceu no final dos anos 1980, em um momento de redemocratização e reorganização do Estado brasileiro. A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996) reforçaram a necessidade de mecanismos de avaliação e transparência, levando o MEC e o INEP a instituírem um sistema nacional capaz de aferir a aprendizagem e apoiar políticas educacionais.
As primeiras aplicações, em 1990 e 1993, foram amostrais e restritas às redes públicas. Em 1995, o SAEB passou por uma reestruturação técnica e metodológica, onde adotou a Teoria de Resposta ao Item (TRI), que permite construir escalas de proficiência comparáveis entre edições, e ampliou o público avaliado para incluir redes privadas (KLEIN; FONTANIVE, 1995).
Ao longo da década de 2000, o SAEB consolidou-se como sistema de referência e passou a englobar diferentes componentes:
ANEB (Avaliação Nacional da Educação Básica), de caráter amostral, abrangendo escolas públicas e privadas;
ANRESC (Prova Brasil), de caráter censitário, aplicada aos 5º e 9º anos das escolas públicas urbanas;e, em 2013, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), voltada aos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental.
A partir de 2019, o Sistema de Avaliação da Educação Básica passou por uma reformulação estrutural que marcou um novo momento em sua trajetória. Os diferentes instrumentos que compunham o sistema, como a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), a Prova Brasil (ANRESC) e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), foram unificados em um modelo integrado, sustentado por uma única matriz de referência alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essa mudança teve como objetivo fortalecer a coerência entre currículo, ensino e avaliação, permitindo que os resultados refletissem com mais precisão as habilidades e competências esperadas em cada etapa da escolarização.
O ciclo do SAEB 2025 representa a consolidação dessa integração e introduz uma série de inovações metodológicas e conceituais. Uma das mudanças mais relevantes é a inclusão das escolas públicas com menos de dez alunos matriculados nos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, que passam a participar da avaliação em formato censitário. Essa decisão reflete o compromisso do INEP com a equidade e a representatividade dos resultados, assegurando que todas as realidades escolares sejam contempladas no diagnóstico nacional da educação. Essa ampliação é especialmente significativa para os pequenos municípios, cuja participação era antes limitada por critérios amostrais, e que agora passam a ter retratos mais precisos de suas redes e escolas.
Outra inovação importante é a criação de um questionário voltado às famílias e responsáveis pelos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental. Esse instrumento busca compreender o contexto doméstico, as rotinas de estudo, o envolvimento familiar e as percepções das crianças em relação à escola, fortalecendo o olhar integral sobre o processo de aprendizagem. Com isso, o SAEB avança em direção a uma avaliação que considera não apenas o desempenho cognitivo, mas também os fatores socioculturais que influenciam o desenvolvimento educacional.
A Educação Infantil também ganha destaque no ciclo de 2025, com a aplicação amostral de questionários digitais destinados a diretores, professores e assistentes de sala. O objetivo é mapear as condições de oferta, as práticas pedagógicas e a infraestrutura das instituições, reconhecendo a importância da primeira infância para a formação das bases cognitivas e socioemocionais das crianças. Essa expansão transforma o SAEB no primeiro sistema de avaliação nacional a abranger de forma articulada todas as etapas da educação básica, da creche ao ensino médio, o que representa um avanço expressivo na capacidade do país de compreender sua realidade educacional de maneira sistêmica.
O SAEB 2025 também adota uma nova abordagem analítica fundamentada em sete dimensões da qualidade da educação básica: atendimento escolar, ensino e aprendizagem, investimento, profissionais da educação, gestão, equidade e cidadania. Essas dimensões ampliam a leitura dos resultados, integrando aspectos pedagógicos, administrativos e contextuais que afetam o desempenho escolar. De acordo com o INEP (2025), essa visão multidimensional busca superar a leitura restrita da qualidade baseada apenas nas médias de proficiência, permitindo análises mais profundas sobre as desigualdades e os fatores estruturais que influenciam a aprendizagem.
Em relação aos conteúdos avaliados, o SAEB 2025 mantém os testes de Língua Portuguesa e Matemática como áreas centrais, aplicados a todos os estudantes das séries avaliadas, e inclui aplicações amostrais de Ciências da Natureza e Ciências Humanas para os alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental. Todas as matrizes de referência permanecem alinhadas à BNCC, o que garante coerência entre o que é ensinado e o que é avaliado, fortalecendo o uso pedagógico dos resultados como ferramenta de planejamento e de formação docente.
O ciclo 2025 do SAEB simboliza uma nova etapa na política nacional de avaliação da educação básica. Ao ampliar a abrangência dos instrumentos, diversificar os públicos respondentes e adotar um olhar mais integral sobre a qualidade educacional, o sistema reafirma seu papel como mecanismo de diagnóstico, equidade e transparência. Mais do que medir resultados, essa edição busca compreender o percurso formativo dos estudantes, fortalecer a gestão pedagógica das redes e inspirar práticas que transformem dados em aprendizado concreto.
2. O desenho e o propósito avaliativo do SAEB
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é composto por testes cognitivos e instrumentos contextuais que visam compreender de maneira ampla o desempenho dos estudantes e as condições que influenciam o processo de ensino e aprendizagem. Desde 2019, o SAEB adota uma estrutura integrada, articulando os diferentes componentes avaliativos (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) sob uma mesma matriz de referência alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (INEP, 2025).
Os testes cognitivos avaliam as áreas de Língua Portuguesa, com foco em leitura, e Matemática, com foco em resolução de problemas. Em 2025, conforme o novo manual do INEP, a avaliação continua contemplando os estudantes do 2º, 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, mas expande-se para incluir questionários eletrônicos da Educação Infantil, aplicados a professores, diretores e assistentes de sala. Esse movimento representa a consolidação de uma avaliação que cobre todo o ciclo educacional, da creche ao final da educação básica, o que amplia o alcance diagnóstico e a capacidade de planejamento das políticas públicas (INEP, 2025).
Do ponto de vista metodológico, o SAEB utiliza a Teoria de Resposta ao Item (TRI), abordagem psicométrica que garante comparabilidade e precisão na estimativa das proficiências. A TRI permite que diferentes edições e versões de prova sejam equiparadas, assegurando que a evolução ou regressão do desempenho reflita mudanças reais de aprendizagem e não variações de dificuldade entre os testes. Como destaca Gatti (2009), essa comparabilidade é o que transforma o SAEB em um instrumento de planejamento longitudinal, possibilitando que gestores públicos e pesquisadores acompanhem as trajetórias educacionais das redes e identifiquem padrões de desigualdade regional, socioeconômica e pedagógica.
Os instrumentos contextuais são igualmente centrais. Aplicados a professores, diretores, familiares e, a partir de 2025, também aos profissionais da Educação Infantil, eles investigam fatores associados à aprendizagem, como infraestrutura, práticas de gestão, formação docente, clima escolar e engajamento familiar. Esses dados permitem análises multivariadas sobre o impacto das condições de oferta na proficiência dos alunos, fortalecendo a dimensão diagnóstica do SAEB (FRANCO, 2001). Assim, o sistema não se limita à mensuração de resultados, mas constitui uma avaliação sistêmica que articula o desempenho às realidades das escolas e redes.
O SAEB, portanto, é um sistema que transcende o caráter somativo das avaliações tradicionais. Ele busca produzir conhecimento sobre o sistema educacional, contribuindo para o planejamento estratégico, a revisão curricular, a formação docente e a formulação de políticas públicas baseadas em evidências. Como reforça o próprio manual do coordenador (INEP, 2025), “avaliar é compreender o que foi ensinado, mas também sob quais condições, com quais recursos e com que apoio”. Essa concepção reforça o caráter democrático da avaliação como instrumento de melhoria e equidade.
3. A aplicação do SAEB: frequência, logística e desafios
O SAEB é uma avaliação nacional e bianual, planejada e coordenada pelo INEP e operacionalizada por instituições aplicadoras credenciadas, sob supervisão direta das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. De acordo com o Manual do Coordenador (INEP, 2025), o ciclo da avaliação envolve cinco etapas principais: (1) planejamento técnico e pedagógico, (2) formação das equipes, (3) aplicação dos instrumentos, (4) processamento e análise dos dados e (5) divulgação e devolutiva dos resultados.
As aplicações são presenciais, realizadas em papel e lápis para os estudantes do Ensino Fundamental e Médio, e em formato eletrônico para os respondentes da Educação Infantil. A responsabilidade pela mobilização das escolas cabe às redes de ensino, que devem assegurar adesão, confidencialidade e condições adequadas de aplicação, incluindo o transporte dos cadernos de prova, o armazenamento seguro dos materiais e o cumprimento rigoroso dos protocolos de sigilo e acessibilidade.
O processo conta com uma estrutura hierárquica composta por Coordenadores Estaduais, Coordenadores Regionais, Aplicadores e Supervisores, todos capacitados previamente. O manual destaca que cada coordenador escolar deve garantir a integridade dos materiais, a presença dos alunos avaliados e o registro fiel das informações contextuais. As aplicações seguem cronogramas rígidos, definidos pelo INEP, que incluem janelas de aplicação diferenciadas entre as etapas de ensino (INEP, 2025).
Segundo Rosistolato et al. (2018), o sucesso do processo avaliativo depende da formação das equipes e da clareza quanto aos seus propósitos. Quando os professores compreendem que o SAEB é um instrumento de diagnóstico e não de punição, a mobilização é maior e os resultados são mais consistentes. Essa percepção é reforçada pelo manual de 2025, que enfatiza a função pedagógica da aplicação, orientando os coordenadores a envolver as escolas na reflexão sobre o papel da avaliação como parte do processo de ensino-aprendizagem.
Os desafios, contudo, permanecem expressivos. Um dos principais refere-se à garantia da participação plena dos estudantes, especialmente em contextos de vulnerabilidade social ou em escolas com altos índices de absenteísmo. Outro desafio é o fortalecimento da alfabetização em dados dos gestores e coordenadores pedagógicos, de modo que saibam interpretar e utilizar os resultados do SAEB de forma estratégica. Há ainda questões logísticas complexas, como a gestão do grande volume de materiais, a padronização dos procedimentos e a integração entre plataformas digitais e processos presenciais.
Brooke (2018) sintetiza bem essa relação ao afirmar que “a avaliação só tem sentido quando é devolvida à escola em forma de reflexão e planejamento”. Nessa perspectiva, o momento da aplicação não é um fim em si mesmo, mas parte de um ciclo que deve culminar em devolutivas pedagógicas qualificadas. O próprio INEP (2025) reforça que o sucesso do SAEB não se mede apenas pela execução da prova, mas pela capacidade das redes de transformar os resultados em ações concretas de melhoria da aprendizagem.
Assim, a aplicação do SAEB é tanto um desafio logístico quanto pedagógico. É um processo que mobiliza milhares de profissionais e milhões de estudantes, exigindo rigor técnico, transparência e compromisso ético. Mais do que medir o aprendizado, o SAEB busca estimular uma cultura avaliativa reflexiva e colaborativa, que envolva escolas, redes e comunidades na construção de uma educação pública mais justa e efetiva.
4. O IDEB como síntese e política de accountability
A integração entre SAEB, IDEB e VAAR forma hoje o eixo central da política de monitoramento e accountability da educação básica brasileira.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007, no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como um instrumento capaz de traduzir, em um único indicador, a qualidade da educação ofertada pelas redes de ensino. Sua metodologia combina dois componentes fundamentais: o desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática, medido pelas avaliações do SAEB, e o fluxo escolar, que considera taxas de aprovação, reprovação e abandono extraídas do Censo Escolar (BRASIL, 2008). A proposta do MEC e do INEP, à época, era oferecer um indicador simples, compreensível e comparável, que pudesse orientar o planejamento e o monitoramento das políticas educacionais de forma transparente e acessível à sociedade.
O IDEB, portanto, nasceu com uma dupla natureza: técnica e política. Técnica, porque se baseia em dados estatísticos padronizados e em metodologias psicométricas rigorosas. Política, porque representa uma forma de accountability pública, ou seja, de responsabilização e prestação de contas da educação à sociedade. Segundo Bonamino e Sousa (2012), o índice introduziu no país uma nova lógica de gestão por resultados, ao estabelecer metas bianuais de melhoria para escolas, municípios, estados e para o país como um todo. Essas metas, projetadas até 2022, buscavam elevar gradualmente o desempenho nacional até atingir níveis equivalentes aos padrões médios de países desenvolvidos.
A publicação dos resultados do IDEB trouxe um novo dinamismo à política educacional. Os indicadores passaram a ser amplamente divulgados e monitorados pela imprensa, pelos governos e pela própria comunidade escolar, o que contribuiu para ampliar a transparência e a pressão social por resultados. Entretanto, como alerta Freitas (2016), o uso do índice como instrumento de comparação entre escolas e redes também gerou efeitos colaterais indesejados, como a competição excessiva, o foco restrito nas disciplinas avaliadas e o ensino voltado à prova. O autor ressalta que a responsabilização precisa ser acompanhada de condições adequadas de trabalho, financiamento e apoio pedagógico, sob pena de transformar um mecanismo de diagnóstico em ferramenta de controle.
Mesmo com essas críticas, o IDEB consolidou-se como o principal termômetro da qualidade da educação básica brasileira, sendo incorporado às metas do Plano Nacional de Educação (PNE 2014–2024), especialmente na Meta 7, que estabelece a elevação progressiva do índice em todas as etapas de ensino. Ao longo dos últimos quinze anos, o IDEB se tornou referência para o planejamento das políticas públicas, o acompanhamento das redes e o direcionamento dos investimentos educacionais. Ele passou a subsidiar, por exemplo, programas de correção de fluxo, iniciativas de reforço escolar e políticas de incentivo baseadas em resultados.
A partir de 2021, o VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), criado no âmbito do Fundeb permanente (Lei nº 14.113/2020), reforçou ainda mais o papel do IDEB como instrumento de indução de políticas. O VAAR estabelece que parte dos recursos federais do Fundeb seja distribuída de acordo com o desempenho das redes nos indicadores de aprendizagem e de equidade, entre eles o próprio IDEB e o SAEB. Essa vinculação representa uma mudança estrutural na política de financiamento da educação, pois o repasse de recursos passa a depender não apenas de critérios quantitativos (número de matrículas), mas também qualitativos (resultados educacionais).
Segundo o INEP (2025), o VAAR busca premiar as redes que demonstram avanços consistentes na aprendizagem e na redução das desigualdades educacionais, incentivando o uso pedagógico dos dados e a gestão baseada em evidências. No entanto, especialistas como Brooke (2018) e Afonso (2019) alertam que a adoção de mecanismos de financiamento por desempenho exige cuidado para não aprofundar desigualdades históricas entre redes com condições muito distintas. A equidade, nesse contexto, deve ser compreendida não como igualdade de resultados, mas como oferta diferenciada de apoio para quem mais precisa.
5. As devolutivas pedagógicas e o uso dos resultados
A etapa de devolutiva pedagógica constitui o momento mais significativo do ciclo avaliativo. É nessa fase que os resultados das avaliações em larga escala, como o SAEB e o IDEB, deixam de ser números e passam a ter significado pedagógico, orientando decisões sobre o ensino e a aprendizagem. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) disponibiliza diferentes instrumentos de retorno às redes e escolas, como o Boletim da Escola, os sumários executivos e o Painel de Indicadores Educacionais, que permitem cruzar os dados de desempenho com variáveis contextuais, socioeconômicas e pedagógicas.
Contudo, a simples existência desses relatórios não garante que os dados se transformem em aprendizado institucional. Bonamino e Sousa (2012) observam que a função formativa do SAEB depende essencialmente da capacidade de interpretação e apropriação dos resultados pelos profissionais da educação. O dado, isoladamente, não tem poder de transformação. É necessário que as equipes escolares se organizem para compreender as escalas de proficiência, analisar os níveis de aprendizagem dos estudantes e elaborar coletivamente estratégias pedagógicas adequadas. O uso dos resultados como instrumento de reflexão, diagnóstico e replanejamento é o que distingue uma política de avaliação de um processo meramente burocrático.
Fontanive, Elliot e Klein (2007) explicam que as escalas do SAEB são instrumentos diagnósticos que situam o aprendizado do estudante nas competências de leitura, interpretação e resolução de problemas. A análise da distribuição dos alunos em cada nível de proficiência permite identificar quais habilidades estão consolidadas e quais precisam ser desenvolvidas, fornecendo subsídios para a reorientação curricular e a elaboração de planos de intervenção pedagógica. Essa leitura detalhada das escalas é o elo que conecta a avaliação à sala de aula.
Bonamino e Sousa (2012) defendem que a apropriação dos resultados requer uma gestão democrática e colaborativa. É preciso que diretores, coordenadores e professores compartilhem a responsabilidade pelo diagnóstico e pela busca de soluções. O papel do gestor é central, pois atua como mediador entre as políticas públicas e a prática pedagógica, traduzindo os indicadores técnicos em planos de ação concretos. Mainardes (2018) reforça que essa mediação exige formação e liderança pedagógica, capazes de transformar o dado técnico em reflexão coletiva. Para que isso se efetive, as redes precisam investir em formações continuadas voltadas à leitura e interpretação de dados educacionais, promovendo o que Brooke (2018) chama de alfabetização em avaliação.
O processo de devolutiva também desempenha uma função política, ao promover transparência e corresponsabilidade. Quando os resultados são apresentados e discutidos abertamente, a escola se torna um espaço de diálogo sobre aprendizagem e equidade. Rosistolato et al. (2018) ressaltam que essa leitura crítica deve envolver todos os atores escolares, incluindo as famílias, para que a comunidade compreenda o significado do desempenho e participe da construção das soluções.
As devolutivas pedagógicas também são a ponte entre a avaliação somativa e a avaliação formativa. A primeira quantifica resultados e a segunda orienta processos. Quando as redes e escolas utilizam os relatórios do SAEB para revisar práticas pedagógicas, reorganizar tempos de aprendizagem, planejar intervenções específicas e ajustar formações docentes, estão transformando o dado em ação concreta e, portanto, em aprendizagem. Essa é a dimensão emancipatória da avaliação, exatamente o momento em que ela deixa de ser controle e se converte em instrumento de desenvolvimento acadêmico e profissional.
Em síntese, a devolutiva pedagógica é a etapa que dá sentido à avaliação. É o ponto em que o conhecimento técnico se torna conhecimento pedagógico e o resultado se transforma em planejamento. Para que isso ocorra, é necessário consolidar uma cultura escolar voltada à leitura crítica de dados, à análise colaborativa e ao uso ético e reflexivo das evidências. Somente assim a avaliação se torna um meio de aperfeiçoar o ensino e fortalecer a escola pública como espaço de aprendizagem e de justiça social.
6. Desafios contemporâneos e perspectivas futuras
O principal desafio do SAEB é equilibrar sua dupla natureza: técnica e política. Por um lado, a avaliação deve manter rigor metodológico e comparabilidade; por outro, precisa dialogar com as escolas e promover equidade. Ravitch (2010) alerta que avaliações padronizadas, quando mal interpretadas, podem reduzir a complexidade do ensino a métricas de desempenho.
A próxima década exigirá novas abordagens. A digitalização das aplicações, a inclusão da Educação Infantil como uma aplicação censitária e o alinhamento à BNCC são avanços importantes, mas também impõem desafios éticos e operacionais. O futuro do SAEB passa por fortalecer a alfabetização de dados entre gestores e professores, garantindo que a leitura dos resultados sirva à formação e não apenas ao controle.
Como enfatiza Afonso (2019), “avaliar é um ato político e pedagógico simultaneamente”. Portanto, o SAEB continuará sendo essencial enquanto instrumento de Estado, mas sua eficácia dependerá da capacidade das redes públicas de apropriar-se dos resultados e transformá-los em aprendizagem.
Conseguimos compreender até aqui que o SAEB e o IDEB são pilares da política educacional brasileira. Mais do que instrumentos de medição, são ferramentas de gestão, equidade e reflexão. Ao longo de sua trajetória, o SAEB ajudou a consolidar uma cultura de avaliação comprometida com a qualidade e com a transparência. Entretanto, o verdadeiro valor da avaliação está no uso pedagógico que dela se faz. Quando os resultados retornam às escolas e provocam diálogo, planejamento e mudança, o SAEB cumpre sua função pública. Quando viram apenas números ou metas, perdem seu sentido.
A equidade permanece como o maior desafio da educação pública brasileira. Embora as avaliações nacionais, como o SAEB, tenham contribuído significativamente para o diagnóstico das desigualdades e para a formulação de políticas baseadas em evidências, ainda há uma distância considerável entre o conhecimento produzido e a efetiva transformação das condições de aprendizagem. O problema não está apenas em garantir o acesso à escola, mas em assegurar que todos os estudantes aprendam com qualidade, independentemente de sua origem social, raça, gênero ou território.
Transformar evidência em aprendizado, portanto, exige mais do que apenas interpretar resultados. Requer ações focalizadas e contínuas nas escolas e redes onde as desigualdades são mais persistentes. A equidade educacional implica reconhecer que tratar os desiguais de forma desigual é condição para a equidade, e que o uso dos dados avaliativos deve orientar investimentos, formações e estratégias pedagógicas específicas para reduzir as lacunas de desempenho.
Nessa perspectiva, o desafio para a próxima década é consolidar um modelo de avaliação que vá além da mensuração de resultados e se converta em instrumento de equidade, capaz de guiar políticas públicas que promovam oportunidades reais de aprendizagem para todos os estudantes, sobretudo aqueles historicamente excluídos dos benefícios de uma educação de qualidade.
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