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Entre reformas e revisões: o Ensino Médio brasileiro nas leis de 2017 e 2024

*Artigo desenvolvido por: Carolina Bittencourt - Historiadora, Mestre em História Social


O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, ocupa um papel estratégico na formação dos jovens brasileiros. É nele que se consolidam aprendizagens essenciais e se ampliam as possibilidades de inserção no mundo do trabalho, na vida social e na continuidade dos estudos. Nos últimos anos, esse nível de ensino passou por profundas mudanças, motivadas pela necessidade de torná-lo mais atrativo, significativo e conectado às demandas contemporâneas (MARTINS, 2024).


Entre 2017 e 2024, o chamado Novo Ensino Médio, instituído pela Lei nº 13.415/2017, buscou reorganizar o currículo com maior flexibilidade, introduzindo os Itinerários Formativos e ampliando a carga horária. Contudo, a implementação revelou desafios, especialmente em relação à desigualdade de acesso, à oferta limitada de itinerários e à redução da carga horária de disciplinas tradicionais. Em resposta às críticas de professores, estudantes e especialistas, foi sancionada, em 31 de julho de 2024, a Lei nº 14.945, que redefiniu as diretrizes para essa etapa e entrou em vigor em 2025.


A nova legislação representa um ponto de inflexão: mantém alguns princípios de flexibilização, mas restabelece uma base comum mais sólida, ampliando o tempo dedicado à formação geral e garantindo maior equidade entre as redes e escolas.



O modelo do Novo Ensino Médio (2017–2024)


A reforma de 2017 foi concebida como uma tentativa de modernizar o currículo e potencializar o interesse dos jovens pelo ensino médio. A Lei nº 13.415/2017 alterou a LDB (Lei nº 9.394/1996) e instituiu um novo formato curricular, com dois eixos principais: a Formação Geral Básica (FGB), obrigatória a todos os estudantes, e os Itinerários Formativos, escolhidos conforme o interesse de cada um.


A Formação Geral Básica englobava as áreas de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, articuladas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Já os itinerários poderiam ser ofertados em cinco eixos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional.


Na prática, o modelo ampliava a carga horária total mínima para 3.000 horas, sendo 1.800 horas destinadas à FGB e 1.200 horas aos itinerários. O estudante, teoricamente, escolheria o percurso conforme seus projetos de vida e interesses.


Apesar das boas intenções, o processo de implementação revelou contradições. Muitas escolas, especialmente as públicas, não tinham infraestrutura nem professores para oferecer múltiplos itinerários, o que limitou a liberdade de escolha dos alunos (MARTINS, 2024). Além disso, a redução do tempo destinado às disciplinas tradicionais — como História, Geografia, Filosofia e Sociologia — gerou críticas sobre o empobrecimento da formação humanística (DA SILVA et al., 2025).


A insatisfação de estudantes e professores se expressou em manifestações, debates públicos e consultas promovidas pelo Ministério da Educação (MEC) em 2023 e 2024, apontando a necessidade de revisão da política.


A nova Lei nº 14.945/2024 e as mudanças a partir de 2025


Com a promulgação da Lei nº 14.945, de 31 de julho de 2024, o Brasil iniciou uma nova etapa na organização do Ensino Médio. A norma, aprovada após amplo debate com a sociedade civil, conselhos de educação, universidades e redes de ensino, buscou corrigir as distorções do modelo anterior, reafirmando a importância da formação integral e comum a todos os estudantes.


Entre as principais mudanças, destacam-se:


  1. Ampliação da Formação Geral Básica (FGB): a carga horária mínima da FGB passa de 1.800 para 2.400 horas, reforçando o caráter comum e essencial da formação. Essa mudança representa um retorno à valorização das disciplinas tradicionais, assegurando que todos os estudantes tenham acesso aos conhecimentos fundamentais das diferentes áreas do saber.


  2. Redução e reconfiguração dos itinerários formativos: os itinerários permanecem, mas passam a ter no mínimo 600 horas (antes eram 1.200), e devem estar articulados à formação geral, evitando fragmentação. As escolas poderão oferecer itinerários integrados, conectando áreas do conhecimento com o projeto de vida do estudante, e não mais trajetórias isoladas.


  3. Reforço das disciplinas obrigatórias: a nova lei determina que Língua Portuguesa, Matemática, Língua Inglesa, Educação Física, Artes, História, Geografia, Filosofia e Sociologia sejam componentes curriculares obrigatórios nos três anos do ensino médio — uma mudança significativa em relação ao modelo anterior, que permitia que algumas dessas disciplinas fossem diluídas ou suprimidas nos itinerários.


  4. Ensino técnico e profissional integrado: a oferta da educação profissional é mantida, mas agora deve garantir que o estudante não perca conteúdos da formação geral. O objetivo é valorizar a formação técnica sem prejudicar o desenvolvimento intelectual e acadêmico.


  5. Organização da carga horária: o total mínimo de 3.000 horas permanece, mas com maior equilíbrio entre as partes do currículo e flexibilidade para adaptação progressiva até 2029.


  6. Participação e equidade: a lei também prevê apoio técnico e financeiro da União para que estados e municípios possam adequar seus currículos e infraestrutura, evitando que a desigualdade entre redes públicas e privadas se amplie.


Essas mudanças refletem uma tentativa de conciliar a flexibilidade desejada em 2017 com a necessidade de uma base comum consistente, respondendo às críticas que o modelo anterior recebeu.


Perspectivas e desafios para a implementação


De acordo com o estabelecido pela nova lei de 2024, o novo modelo de Ensino Médio teve início em 2025, abrangendo os estudantes da 1ª série. Em 2026, as novas diretrizes passam a ser aplicadas também à 2ª série, e, em 2027, estender-se-ão à 3ª série, completando o processo de implantação.


A entrada em vigor da nova lei em 2025 marca um momento de reestruturação para todas as redes estaduais. As secretarias de educação terão de revisar currículos, reorganizar matrizes e formar professores para o novo formato.


Um dos desafios será garantir que a ampliação da Formação Geral Básica não inviabilize o caráter inovador dos itinerários, que podem contribuir para o engajamento e o protagonismo juvenil. Outro ponto sensível diz respeito à oferta equitativa: redes com menor estrutura precisarão de apoio técnico e financeiro para oferecer itinerários diversificados e de qualidade.


A formação docente é outro aspecto central. O sucesso do novo modelo depende de professores preparados para atuar em currículos integrados e contextualizados, capazes de relacionar conhecimentos científicos, sociais e tecnológicos.

Por fim, será necessário um acompanhamento contínuo de resultados, considerando indicadores de aprendizagem, permanência e interesse dos estudantes. O desafio é equilibrar uma formação sólida, que assegure o domínio das competências básicas, com um currículo que faça sentido para os jovens e dialogue com seus projetos de vida.


Considerações finais


O percurso do Ensino Médio brasileiro, entre 2017 e 2025, revela um movimento de experimentação e amadurecimento. A reforma de 2017, ainda que inovadora, mostrou limites práticos e conceituais; já a nova Lei nº 14.945/2024 surge como tentativa de corrigir excessos e reafirmar princípios fundamentais da educação pública: equidade, qualidade e formação integral. No entanto, é importante destacar que a Lei nº 14.945/2024 não significa uma revogação da lei anterior, embora sua atuação tenha sido limitada. Tal política educacional se consolida como uma nova reforma, ajustando o que não funcionou na lei de 2017. O principal objetivo da última reforma é tornar o Ensino Médio mais atrativo, reduzir os índices de evasão escolar e melhorar os resultados nas avaliações de desempenho.


Mais do que uma simples mudança curricular, a nova política do Ensino Médio convida a repensar o papel da escola na sociedade contemporânea. Em um país diverso e desigual, a consolidação de um modelo que valorize o conhecimento, a autonomia e o desenvolvimento humano será decisiva para o futuro de milhões de jovens brasileiros.


Referências


BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 31 out. 2025.

BRASIL. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera a LDB e institui a reforma do Ensino Médio. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em: 31 out. 2025.

BRASIL. Lei n. 14.945, de 31 de julho de 2024. Dispõe sobre as diretrizes e bases do novo Ensino Médio. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14945.htm. Acesso em: 31 out. 2025.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova mudanças na reforma do Ensino Médio. Brasília, 9 jul. 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1081896-camara-aprova-mudancas-na-reforma-do-ensino-medio/. Acesso em: 31 out. 2025.

DA SILVA, Maurício Oliveira; AYRES, Carla Carol Pinto; SOARES, Alfredo Taveira; PINTO, Klyssia de Fátima Vasconcelos. Refletindo sobre os desafios na construção de itinerários formativos do ensino médio no contexto amazônico, à luz da Lei nº 14.945/2024. Lumen et Virtus, [S. l.], v. 16, n. 51, p. e7218, 2025. Disponível em: https://periodicos.newsciencepubl.com/LEV/article/view/7218. Acesso em: 31 out. 2025.

FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO – CANAL FUTURA. Novo Ensino Médio: entenda as mudanças que começam a valer em 2025. Disponível em: https://futura.frm.org.br/conteudo/educacao-basica/noticia/novo-ensino-medio-entenda-mudancas-que-comecam-valer-em-2025. Acesso em: 31 out. 2025.

G1 EDUCAÇÃO. Novo Ensino Médio: como ficam os itinerários formativos a partir de 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2025/05/13/novo-ensino-medio-itinerarios-formativos.ghtml. Acesso em: 31 out. 2025.

MARTINS, Giana Carla. Reforma da reforma do Ensino Médio: avanços, retrocessos e desafios. 2024. 144 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba, 2024.




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