25 de Novembro: Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres
- Felipe Diniz
- 25 de nov.
- 8 min de leitura
*Artigo desenvolvido por: Thalia Fernandes - Especialista em Educação.

Dados, história e o papel da educação
A cada 25 de novembro, o mundo volta seus olhos para um problema histórico e persistente: a violência contra as mulheres. A data, reconhecida internacionalmente, não é apenas simbólica — ela reforça a urgência de compreender as raízes desse fenômeno, conhecer os marcos legais que o combatem e fortalecer a consciência social sobre o tema.
Em um país como o Brasil, onde os índices de violência de gênero ainda são alarmantes, esse é um momento essencial para refletir sobre os avanços conquistados e os desafios que ainda permanecem, especialmente quando consideramos os impactos sociais, raciais e educacionais envolvidos.
A origem da data: quando a memória se transforma em luta
O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres tem origem na história das irmãs Mirabal — Minerva, Pátria e Maria Teresa — brutalmente assassinadas em 1960 por se oporem à ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominicana. Conhecidas como “Las Mariposas”, elas se tornaram símbolo mundial da resistência feminina contra regimes opressores. Décadas depois, sua trajetória motivou a ONU a instituir oficialmente o 25 de novembro como um chamado global à ação.
Essa data inaugura a tradicional campanha dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas, adotada internacionalmente e reforçada por iniciativas como a campanha UNA-SE, da ONU Mulheres, que anualmente mobiliza governos, instituições e sociedade civil para fortalecer políticas e conscientização.
A Constituição de 1988 e a estruturação de direitos que sustentam avanços
Embora o cenário ainda seja desafiador, é importante reconhecer a construção legal que sustenta a luta brasileira pelo fim da violência de gênero. A Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas ao assegurar, no artigo 5º, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Essa afirmação elevou a igualdade de gênero ao patamar de princípio constitucional, fortalecendo a criação de políticas públicas e dando respaldo jurídico às demandas das mulheres. Ao garantir direitos civis, sociais e familiares, a Carta de 1988 estabeleceu as bases para que legislações protetivas se expandissem nas décadas seguintes.
Lei Maria da Penha: 19 anos de proteção e impacto social
Entre essas legislações, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) se destaca como um marco histórico. Criada a partir da mobilização de Maria da Penha Maia Fernandes, que levou seu caso à OEA após sobreviver a duas tentativas de feminicídio, a lei estabeleceu uma nova compreensão sobre violência doméstica no país. Ela definiu diferentes tipos de violência — física, psicológica, sexual, moral e patrimonial —, criou medidas protetivas de urgência, estabeleceu maior rigor penal e orientou a criação de serviços especializados.
Hoje, aos 19 anos em vigor, a lei segue sendo um instrumento central de proteção, com reconhecimento nacional e internacional. Em 2025, o Senado oficializou, no próprio texto legal, o nome “Lei Maria da Penha”, reforçando sua importância simbólica e jurídica.
Somando-se a ela, a atualização da lei do feminicídio pela Lei nº 14.994/2024 tornou o crime autônomo, aumentou a pena para até 40 anos e incluiu agravantes específicas, demonstrando o avanço no combate à violência extrema.
180: um canal de acolhimento, orientação e acesso à rede de proteção
Outro componente essencial dessa rede é a Central Ligue 180, um serviço gratuito, anônimo e disponível 24h por dia, regulamentado pelo Decreto nº 7.393/2010. O canal não serve apenas para denúncias: também orienta, esclarece dúvidas, informa sobre direitos, faz encaminhamentos e acolhe mulheres em situação de risco. O atendimento pode ser feito por ligação ou via WhatsApp, ampliando o acesso e garantindo um espaço seguro para buscar ajuda.
Um panorama brasileiro marcado por vulnerabilidades e desigualdades
No Brasil, os números revelam que a violência contra mulheres permanece como uma violação ampla e estrutural dos direitos humanos. O Mapa Nacional da Violência de Gênero, fruto da cooperação entre Senado Federal, Instituto Natura e Gênero e Número, evidencia a continuidade de casos graves, como feminicídios e agressões domésticas — problemas que atravessam territórios, idades e grupos sociais.

Os dados reunidos pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero, fruto da parceria entre o Senado Federal, o Instituto Natura e a Gênero e Número, ajudam a dimensionar a complexidade e a persistência da violência contra mulheres no país, ao consolidar informações de diversas bases oficiais. Porém, esse panorama se torna ainda mais evidente quando observamos a evolução histórica dos registros ao longo dos últimos anos.
O Gráfico 48, que apresenta os casos de violência doméstica, sexual e outras formas de agressão contra mulheres entre 2013 e 2023, revela um crescimento contínuo e preocupante, especialmente nos anos mais recentes.

Notas:
Dados de 2023 são preliminares e estão sujeitos a revisões e alterações.
Para a captação da informação sobre violência doméstica, sexual e outras violências utilizou-se o registro de notificações de violência interpessoal do módulo de doenças e agravos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação.
Foram considerados casos de violência interpessoal os registros em que os campos 53 (“A lesão foi autoprovocada?”) e 61 (“vínculo/grau de parentesco com a pessoa atendida – própria pessoa”) foram identificados como diferentes de “Sim”.”
A leitura conjunta dos dados reforça que a violência contra mulheres no Brasil é um fenômeno persistente e multifacetado. O Mapa Nacional da Violência de Gênero já indica a magnitude do problema ao consolidar diferentes bases oficiais, mas essa dimensão se torna ainda mais clara quando analisamos a evolução dos registros ao longo da última década. Já o Gráfico 48 evidencia o aumento expressivo dos casos entre 2013 e 2023, com crescimento acentuado no último ano, demonstrando que a violência continua em ascensão apesar dos avanços legais.
Quando esse panorama é comparado ao recorte racial divulgado pelo Ministério das Mulheres, o cenário revela desigualdades ainda mais profundas: 60,4% das notificações de violência contra mulheres adultas vitimaram mulheres pretas e pardas, enquanto 37,5% atingiram mulheres brancas. Esses dados explicitam como desigualdades raciais e socioeconômicas ampliam a vulnerabilidade das mulheres negras.
Além disso, no contexto da violência doméstica, a Central Ligue 180 registra que 67% dos agressores são companheiros ou ex-companheiros — evidenciando como as violações ocorrem, majoritariamente, dentro do espaço que deveria ser símbolo de segurança.

Juntos, esses dados não deixam margem para dúvidas: estamos diante de um problema profundo, persistente e extremamente complexo. Em 2025, ver esses índices tão elevados provoca um sentimento inevitável de alerta — é impossível ignorar a gravidade do que os números mostram. São estatísticas que, mais do que informar, nos fazem parar e pensar sobre a realidade que ainda enfrentamos.
Quando pensamos na educação como ferramenta de transformação social, reconhecemos que ela desempenha um papel direto no combate à violência contra as mulheres, atuando exatamente nos pontos onde essa violência se forma e se reproduz. Mais do que transmitir conteúdos, a educação trabalha na desconstrução de narrativas arraigadas, questionando estereótipos de gênero que naturalizam desigualdades e legitimam práticas abusivas. Estudos como o de Nascimento (UFSC) mostram que a escola pode — e deve — intervir desde cedo, rompendo discursos violentos por meio de uma formação crítica baseada nos direitos humanos.
Nas salas de aula, o ensino de respeito, empatia e igualdade de gênero contribui para formar cidadãos que reconhecem os direitos das mulheres e rejeitam comportamentos abusivos. Esse entendimento também foi reforçado em audiência pública no Senado, em que especialistas destacaram que “a educação desde a base” é fundamental para construir uma visão crítica sobre agressões e relacionamentos abusivos, especialmente quando esses temas estão integrados de maneira transversal em disciplinas como história, geografia, ética e formação cidadã.
Outro aspecto central é a capacitação de professores: educadores bem preparados conseguem identificar sinais de violência física, psicológica ou moral e sabem como agir de forma segura, garantindo encaminhamento adequado e proteção às estudantes. A escola, assim, torna-se um espaço confiável onde meninas e adolescentes podem expressar sofrimento, pedir ajuda e romper ciclos de silêncio que alimentam a violência.
A importância desse papel é reforçada por pesquisas da UFSC que evidenciam como estudantes vivenciam episódios de assédio, abuso e desigualdades desde os anos iniciais, revelando que a escola muitas vezes não exerce plenamente sua função protetora. Nesse contexto, a educação assume o que bell hooks chama de prática de liberdade: um espaço onde a aprendizagem se transforma em resistência contra estruturas patriarcais.
Portanto, mais do que um instrumento de prevenção, a educação combate a violência ao transformar valores, promover empatia, conscientizar para o respeito às diversidades, problematizar normas de gênero e oferecer ferramentas para que novas gerações reconheçam — e interrompam — ciclos de agressão. É um processo contínuo de ação pedagógica e reflexão crítica que contribui, a longo prazo, para uma cultura de equidade e dignidade humana.
Conclusão
O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres não é apenas uma data no calendário: é um convite à reflexão diante de um cenário que permanece alarmante. A história das irmãs Mirabal, os dados consolidados pelo Mapa Nacional da Violência de Gênero, a evolução representada no Gráfico 48, o recorte racial divulgado pelo Ministério das Mulheres e o fato de que 67% das agressões são cometidas por companheiros ou ex-companheiros mostram, de forma incontornável, que a violência contra as mulheres é uma realidade complexa e persistente. Em pleno 2025, observar o crescimento das notificações, as desigualdades raciais que atravessam esses registros e a centralidade das relações íntimas nas agressões provoca um alerta profundo: não estamos diante de números isolados, mas de uma estrutura que continua impactando milhões de vidas todos os dias.
Conhecer a origem da data, entender o que revelam esses indicadores e reconhecer os marcos jurídicos que construíram o caminho até aqui é parte essencial desse processo. E, ao observar o papel da educação — como mostram estudos acadêmicos e debates públicos — percebemos que ela é uma força capaz de ampliar consciência, formar novas mentalidades e contribuir para que futuras gerações cresçam em um ambiente que valorize respeito, equidade e convivência não violenta.
Que este dia sirva para abrir espaço ao conhecimento, à reflexão e à responsabilidade coletiva. E que o futuro das mulheres seja, de fato, marcado pela liberdade, dignidade e segurança que esses dados, ainda hoje, nos mostram o quanto precisamos avançar para alcançar.
🔗 Links úteis para aprofundar o tema
BRASIL. Ministério das Mulheres. Relatório Anual Socioeconômico da Mulher – RASEAM 2025. Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Brasília: Ministério das Mulheres, 2025. Disponível em:https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/publicacoes/raseam-2025.pdf/view
BRASIL. Ministério das Mulheres. A maioria dos registros de violência contra mulheres são contra pretas e pardas, resultado de desigualdades raciais e socioeconômicas. 2025. Disponível em:https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2025/marco/ministerio-das-mulheres-lanca-o-relatorio-anual-socioeconomico-da-mulher-raseam-2025
BRASIL. Senado Federal; Instituto Natura; Gênero e Número. Mapa Nacional da Violência de Gênero. Brasília: Senado Federal, 2023. Disponível em:https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/mapadaviolencia/#/inicio.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 8 ago. 2006.
BRASIL. Lei nº 14.994, de 28 de junho de 2024. Altera dispositivos referentes ao crime de feminicídio e outras formas de violência contra a mulher. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1 jul. 2024.
BRASIL. Decreto nº 7.393, de 15 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o atendimento da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 16 dez. 2010.
BRASIL. Senado Federal. Aprovado projeto que oficializa o nome da Lei Maria da Penha no texto da lei 11.340. 2025. Disponível em:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/08/26/aprovado-projeto-que-oficializa-o-nome-da-lei-maria-da-penha.
BRASIL. Senado Federal. Educação é fundamental na luta contra o feminicídio, dizem debatedores. 2020. Disponível em:
HOGEMANN, Edna Raquel. Conquistas das mulheres no Brasil: a linha do tempo das leis e políticas públicas. Revista do Ministério Público Militar, v. 51, n. 45, p. 173–206, 2024. Disponível em: https://revista.mpm.mp.br/rmpm/article/view/429
NASCIMENTO, Anna Victória Machado. Desconstruindo discursos violentos contra a mulher na escola: uma proposta interventiva. Universidade Federal de Santa Catarina, 2023. Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/242294/1234.pdf?sequence=1.
