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Avaliação na Alfabetização: Como Ela Potencializa a Leitura e a Escrita

Imagem de três blocos coloridos com as letras A (vermelho), B (laranja) e C (azul) sobre uma mesa. Ao fundo, há materiais escolares desfocados.

A alfabetização é uma das etapas mais decisivas da trajetória escolar. É nesse momento que as crianças entram em contato com os códigos da leitura e da escrita, desenvolvendo habilidades que impactarão toda a sua vida acadêmica, social e cultural. Nesse processo, a avaliação deve ser compreendida como parte integrante do ensino — não como um mecanismo de controle, mas como uma ferramenta formativa e mediadora da aprendizagem.


Com base nos estudos de Magda Soares, na teoria da Psicogênese da Língua Escrita de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, e nos fundamentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), este artigo mostra como a avaliação pode — e deve — ser um instrumento potente de avanço na leitura e escrita.


O Papel da Avaliação na Alfabetização: Muito Além da Nota


A avaliação em contextos de alfabetização deve ser diagnóstica, formativa e contínua. Mais do que quantificar erros e acertos, ela permite ao professor acompanhar o processo de construção do conhecimento, compreendendo os avanços e as dificuldades de cada aluno.

Segundo Magda Soares, avaliar é acompanhar o desenvolvimento da criança em seu domínio progressivo da leitura e da escrita. Ela enfatiza:


A avaliação tem sempre o sentido de diagnóstico, de buscar formas de identificar o que a criança aprendeu, o que não aprendeu ainda, e assim decidir o que é preciso fazer.” 

Fonte: CEALE/UFMG


Os critérios de avaliação, para ela, devem ser definidos a partir do que se ensina: “As crianças já desenvolveram consciência silábica? Já escrevem silabicamente? Já se aproximam da identificação dos fonemas?”. Com essas perguntas, o professor consegue planejar ações pedagógicas alinhadas ao estágio de aprendizagem da turma.


Alfaletrar: Etapas da Alfabetização e Avaliação com Intencionalidade


O Alfaletrar, conceito de Magda Soares, propõe uma alfabetização articulada ao letramento. Aprender a ler e escrever, segundo essa abordagem, é compreender a função social da linguagem escrita, indo além da decodificação.

A alfabetização ocorre em fases progressivas, e cabe ao educador avaliar cada uma com intencionalidade pedagógica:


  • Fase 1 – Pré-Fonológica

    • O que a criança faz: Usa rabiscos, desenhos ou letras sem relação sonora.

    •  Avaliar: Se compreende que escrita representa a fala e tem função comunicativa.

    •  Intervir: Leitura compartilhada, escrita com intenção (listas, nomes), textos reais no cotidiano.


  • Fase 2 – Consciência Silábica

    • O que a criança faz: Usa uma letra para cada sílaba falada.

    • Avaliar: Correspondência sílaba-letra e percepção das partes sonoras.

    • Intervir: Jogos de segmentação, rimas, trava-línguas, leitura oral e cantigas.


  •  Fase 3 – Consciência Grafofonêmica

    • O que a criança faz: Representa sílabas com mais de uma letra; começa a se aproximar do sistema alfabético.

    • Avaliar: Escritas com C+V, ditados diagnósticos, reconhecimento de sons em diferentes posições.

    • Intervir: Escrita de palavras conhecidas, aliteração, exploração de fonemas.


  • Fase 4 – Conhecimento das Letras

    • O que a criança faz: Identifica letras e avança em diferentes hipóteses de escrita.

    •  Avaliar: Nomeação e uso de letras, especialmente em nomes próprios e contextos significativos.

    •  Intervir: Alfabeto móvel, jogos com letras, listas coletivas e leitura da turma.


  •  Fase 5 – Relação Fonema-Grafema

    • O que a criança faz: Relaciona sons e letras com mais precisão; começa a escrever palavras de forma convencional.

    • Avaliar: Correspondência fonema-grafema, fluência leitora, ortografia e coesão em textos.

    • Intervir: Produção e revisão de textos, leitura diária, análise ortográfica em contexto.


Psicogênese da Língua Escrita: Avaliação e Intervenção em Cada Etapa


A Psicogênese da Língua Escrita, proposta por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, revela que a criança constrói hipóteses sobre a escrita à medida que interage com textos e sons. Com base nessa teoria, é possível identificar etapas do desenvolvimento da escrita e, a partir delas, realizar avaliações mais precisas e intervenções pedagógicas eficazes.


Veja um resumo das fases e o que observar:


  • Pré-silábico

    • A escrita ainda se confunde com o desenho ou é feita com letras sem relação sonora.

    • Avaliar: se a criança compreende que a escrita representa a fala.

    • Intervir: com leitura de textos reais, escrita com propósito e nomeação de letras.


  • Silábico

    • A criança percebe que a fala tem partes (sílabas) e usa uma letra para cada.

    • Avaliar: a correspondência entre fala e escrita.

    • Intervir: com jogos fonológicos, segmentação de palavras e comparação de escritas.


  • Silábico-alfabético

    • Mistura lógica silábica com representação mais próxima dos sons.

    • Avaliar: se a criança tenta representar todos os fonemas.

    • Intervir: com escrita de palavras conhecidas, leitura em voz alta e revisão guiada.


  • Alfabético

    • Escreve com correspondência som-letra adequada, mas ainda com erros ortográficos.

    • Avaliar: fluência, ortografia e coesão textual.

    • Intervir: com produção de textos, leitura diária e reflexão sobre a escrita.


Avaliar segundo a Psicogênese é interpretar hipóteses e promover avanços, respeitando o pensamento infantil e seu processo de descoberta.


BNCC e a Avaliação no Processo de Alfabetização


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define a alfabetização como foco prioritário dos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, ressaltando que é nesse período que a criança precisa compreender e dominar o sistema de escrita alfabética do português do Brasil.


Segundo o documento:

“É preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga ‘codificar e decodificar’ os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras)”  (BNCC, 2017, p. 90)


Essa concepção destaca que alfabetizar não é apenas ensinar letras e sílabas, mas construir, com base na oralidade e na diversidade linguística, o conhecimento das relações fonema-grafema, algo que exige tempo, mediação e avaliação contínua.


Avaliar com Base na BNCC: Diagnóstico, Acompanhamento e Intencionalidade


A BNCC afirma que alfabetizar é um processo complexo que envolve reconhecer a escrita como uma forma de representação gráfica da linguagem falada, considerando:


  • Variedades regionais e sociais da fala;

  • A diversidade dos sons (fonemas e alofones);

  • A construção das convenções ortográficas do português.


Por isso, avaliar o processo de alfabetização significa identificar como o estudante avança na construção desse conhecimento e o que ainda precisa ser consolidado. A avaliação deve apoiar a aprendizagem — não apenas medi-la — e reconhecer a diversidade dos percursos de cada criança.


A avaliação deve considerar:


  • A diferenciação entre escrita e outros grafismos;

  • O reconhecimento funcional do alfabeto;

  • A construção das relações fonema-grafema (mesmo irregulares);

  • O desenvolvimento da consciência fonológica.


A avaliação, nesse contexto, deve ser diagnóstica, contínua e formativa, respeitando a diversidade de trajetórias e os tempos de cada estudante.


Estratégias recomendadas:


  • Registros diários (oralidade, escuta, escrita);

  • Portfólios com produções textuais;

  • Rodas de leitura e escrita com escuta ativa;

  • Autoavaliação e coavaliação;

  • Análise de avanços em frases, palavras e textos.


A leitura de listas, bilhetes, convites, receitas e textos da vida cotidiana, conforme orientado na BNCC, deve servir de base para a avaliação, considerando a funcionalidade da escrita.


Conclusão: Avaliar é Compreender para Ensinar Melhor


A avaliação no processo de alfabetização precisa ser compreendida como um ato pedagógico intencional e reflexivo, não como um mecanismo de controle, punição ou exclusão. Avaliar é reconhecer que cada criança percorre um caminho singular na construção da leitura e da escrita, formulando hipóteses, enfrentando desafios e realizando descobertas que devem ser acolhidas com escuta atenta e respeito aos seus tempos de aprendizagem.


De acordo com a BNCC, a alfabetização não se encerra nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Ela se prolonga e se complementa com o processo de ortografização e com o aprofundamento das práticas de linguagem. Isso exige avaliação contínua, contextualizada e formativa, capaz de acompanhar o desenvolvimento da consciência fonológica, da fluência leitora e da apropriação da linguagem escrita em suas múltiplas funções sociais.


Na abordagem do Alfaletrar, proposta por Magda Soares, a avaliação ganha um papel ainda mais significativo: ela se torna um instrumento de mediação entre ensino e aprendizagem. Ao observar o que a criança sabe, como pensa a escrita e em que estágio se encontra, o professor pode planejar intervenções pedagógicas mais eficazes e respeitosas, promovendo avanços reais e significativos. Avaliar, nesse contexto, é também valorizar o percurso de cada estudante e construir oportunidades de letramento com sentido.


A teoria da Psicogênese da Língua Escrita reforça essa concepção ao mostrar que cada escrita infantil representa uma hipótese legítima sobre o funcionamento da linguagem. Avaliar com base nesse olhar é interpretar, e não corrigir; é orientar, e não padronizar; é criar condições para que a criança avance a partir daquilo que já construiu.


Afirmar que avaliar é compreender para ensinar melhor é reconhecer que a avaliação, quando bem conduzida, pode transformar a alfabetização em uma experiência mais humana, equitativa e transformadora. É por meio da avaliação cuidadosa, ética e consciente que o professor garante o direito de aprender com dignidade, promovendo uma educação que respeita às infâncias e potencializa o protagonismo dos estudantes em seus próprios processos de aprendizagem.


Referências


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