Avaliação na Alfabetização: Como Ela Potencializa a Leitura e a Escrita
- Thalia Fernandes
- 8 de mai.
- 6 min de leitura

A alfabetização é uma das etapas mais decisivas da trajetória escolar. É nesse momento que as crianças entram em contato com os códigos da leitura e da escrita, desenvolvendo habilidades que impactarão toda a sua vida acadêmica, social e cultural. Nesse processo, a avaliação deve ser compreendida como parte integrante do ensino — não como um mecanismo de controle, mas como uma ferramenta formativa e mediadora da aprendizagem.
Com base nos estudos de Magda Soares, na teoria da Psicogênese da Língua Escrita de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, e nos fundamentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), este artigo mostra como a avaliação pode — e deve — ser um instrumento potente de avanço na leitura e escrita.
O Papel da Avaliação na Alfabetização: Muito Além da Nota
A avaliação em contextos de alfabetização deve ser diagnóstica, formativa e contínua. Mais do que quantificar erros e acertos, ela permite ao professor acompanhar o processo de construção do conhecimento, compreendendo os avanços e as dificuldades de cada aluno.
Segundo Magda Soares, avaliar é acompanhar o desenvolvimento da criança em seu domínio progressivo da leitura e da escrita. Ela enfatiza:
“A avaliação tem sempre o sentido de diagnóstico, de buscar formas de identificar o que a criança aprendeu, o que não aprendeu ainda, e assim decidir o que é preciso fazer.”
Fonte: CEALE/UFMG
Os critérios de avaliação, para ela, devem ser definidos a partir do que se ensina: “As crianças já desenvolveram consciência silábica? Já escrevem silabicamente? Já se aproximam da identificação dos fonemas?”. Com essas perguntas, o professor consegue planejar ações pedagógicas alinhadas ao estágio de aprendizagem da turma.
Alfaletrar: Etapas da Alfabetização e Avaliação com Intencionalidade
O Alfaletrar, conceito de Magda Soares, propõe uma alfabetização articulada ao letramento. Aprender a ler e escrever, segundo essa abordagem, é compreender a função social da linguagem escrita, indo além da decodificação.
A alfabetização ocorre em fases progressivas, e cabe ao educador avaliar cada uma com intencionalidade pedagógica:
Fase 1 – Pré-Fonológica
O que a criança faz: Usa rabiscos, desenhos ou letras sem relação sonora.
Avaliar: Se compreende que escrita representa a fala e tem função comunicativa.
Intervir: Leitura compartilhada, escrita com intenção (listas, nomes), textos reais no cotidiano.
Fase 2 – Consciência Silábica
O que a criança faz: Usa uma letra para cada sílaba falada.
Avaliar: Correspondência sílaba-letra e percepção das partes sonoras.
Intervir: Jogos de segmentação, rimas, trava-línguas, leitura oral e cantigas.
Fase 3 – Consciência Grafofonêmica
O que a criança faz: Representa sílabas com mais de uma letra; começa a se aproximar do sistema alfabético.
Avaliar: Escritas com C+V, ditados diagnósticos, reconhecimento de sons em diferentes posições.
Intervir: Escrita de palavras conhecidas, aliteração, exploração de fonemas.
Fase 4 – Conhecimento das Letras
O que a criança faz: Identifica letras e avança em diferentes hipóteses de escrita.
Avaliar: Nomeação e uso de letras, especialmente em nomes próprios e contextos significativos.
Intervir: Alfabeto móvel, jogos com letras, listas coletivas e leitura da turma.
Fase 5 – Relação Fonema-Grafema
O que a criança faz: Relaciona sons e letras com mais precisão; começa a escrever palavras de forma convencional.
Avaliar: Correspondência fonema-grafema, fluência leitora, ortografia e coesão em textos.
Intervir: Produção e revisão de textos, leitura diária, análise ortográfica em contexto.
Psicogênese da Língua Escrita: Avaliação e Intervenção em Cada Etapa
A Psicogênese da Língua Escrita, proposta por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, revela que a criança constrói hipóteses sobre a escrita à medida que interage com textos e sons. Com base nessa teoria, é possível identificar etapas do desenvolvimento da escrita e, a partir delas, realizar avaliações mais precisas e intervenções pedagógicas eficazes.
Veja um resumo das fases e o que observar:
Pré-silábico
A escrita ainda se confunde com o desenho ou é feita com letras sem relação sonora.
Avaliar: se a criança compreende que a escrita representa a fala.
Intervir: com leitura de textos reais, escrita com propósito e nomeação de letras.
Silábico
A criança percebe que a fala tem partes (sílabas) e usa uma letra para cada.
Avaliar: a correspondência entre fala e escrita.
Intervir: com jogos fonológicos, segmentação de palavras e comparação de escritas.
Silábico-alfabético
Mistura lógica silábica com representação mais próxima dos sons.
Avaliar: se a criança tenta representar todos os fonemas.
Intervir: com escrita de palavras conhecidas, leitura em voz alta e revisão guiada.
Alfabético
Escreve com correspondência som-letra adequada, mas ainda com erros ortográficos.
Avaliar: fluência, ortografia e coesão textual.
Intervir: com produção de textos, leitura diária e reflexão sobre a escrita.
Avaliar segundo a Psicogênese é interpretar hipóteses e promover avanços, respeitando o pensamento infantil e seu processo de descoberta.
BNCC e a Avaliação no Processo de Alfabetização
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define a alfabetização como foco prioritário dos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, ressaltando que é nesse período que a criança precisa compreender e dominar o sistema de escrita alfabética do português do Brasil.
Segundo o documento:
“É preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga ‘codificar e decodificar’ os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras)” (BNCC, 2017, p. 90)
Essa concepção destaca que alfabetizar não é apenas ensinar letras e sílabas, mas construir, com base na oralidade e na diversidade linguística, o conhecimento das relações fonema-grafema, algo que exige tempo, mediação e avaliação contínua.
Avaliar com Base na BNCC: Diagnóstico, Acompanhamento e Intencionalidade
A BNCC afirma que alfabetizar é um processo complexo que envolve reconhecer a escrita como uma forma de representação gráfica da linguagem falada, considerando:
Variedades regionais e sociais da fala;
A diversidade dos sons (fonemas e alofones);
A construção das convenções ortográficas do português.
Por isso, avaliar o processo de alfabetização significa identificar como o estudante avança na construção desse conhecimento e o que ainda precisa ser consolidado. A avaliação deve apoiar a aprendizagem — não apenas medi-la — e reconhecer a diversidade dos percursos de cada criança.
A avaliação deve considerar:
A diferenciação entre escrita e outros grafismos;
O reconhecimento funcional do alfabeto;
A construção das relações fonema-grafema (mesmo irregulares);
O desenvolvimento da consciência fonológica.
A avaliação, nesse contexto, deve ser diagnóstica, contínua e formativa, respeitando a diversidade de trajetórias e os tempos de cada estudante.
Estratégias recomendadas:
Registros diários (oralidade, escuta, escrita);
Portfólios com produções textuais;
Rodas de leitura e escrita com escuta ativa;
Autoavaliação e coavaliação;
Análise de avanços em frases, palavras e textos.
A leitura de listas, bilhetes, convites, receitas e textos da vida cotidiana, conforme orientado na BNCC, deve servir de base para a avaliação, considerando a funcionalidade da escrita.
Conclusão: Avaliar é Compreender para Ensinar Melhor
A avaliação no processo de alfabetização precisa ser compreendida como um ato pedagógico intencional e reflexivo, não como um mecanismo de controle, punição ou exclusão. Avaliar é reconhecer que cada criança percorre um caminho singular na construção da leitura e da escrita, formulando hipóteses, enfrentando desafios e realizando descobertas que devem ser acolhidas com escuta atenta e respeito aos seus tempos de aprendizagem.
De acordo com a BNCC, a alfabetização não se encerra nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Ela se prolonga e se complementa com o processo de ortografização e com o aprofundamento das práticas de linguagem. Isso exige avaliação contínua, contextualizada e formativa, capaz de acompanhar o desenvolvimento da consciência fonológica, da fluência leitora e da apropriação da linguagem escrita em suas múltiplas funções sociais.
Na abordagem do Alfaletrar, proposta por Magda Soares, a avaliação ganha um papel ainda mais significativo: ela se torna um instrumento de mediação entre ensino e aprendizagem. Ao observar o que a criança sabe, como pensa a escrita e em que estágio se encontra, o professor pode planejar intervenções pedagógicas mais eficazes e respeitosas, promovendo avanços reais e significativos. Avaliar, nesse contexto, é também valorizar o percurso de cada estudante e construir oportunidades de letramento com sentido.
A teoria da Psicogênese da Língua Escrita reforça essa concepção ao mostrar que cada escrita infantil representa uma hipótese legítima sobre o funcionamento da linguagem. Avaliar com base nesse olhar é interpretar, e não corrigir; é orientar, e não padronizar; é criar condições para que a criança avance a partir daquilo que já construiu.
Afirmar que avaliar é compreender para ensinar melhor é reconhecer que a avaliação, quando bem conduzida, pode transformar a alfabetização em uma experiência mais humana, equitativa e transformadora. É por meio da avaliação cuidadosa, ética e consciente que o professor garante o direito de aprender com dignidade, promovendo uma educação que respeita às infâncias e potencializa o protagonismo dos estudantes em seus próprios processos de aprendizagem.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br
MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Corrêa de. Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização. UNESP – Presidente Prudente / Assis / Adamantina. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40138/1/01d16t03.pdf
SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo: Contexto, 2021.
SOARES, Magda. Magda Soares Responde – Avaliação na Alfabetização. CEALE/UFMG, Terça-feira, 22 de dezembro de 2015, 15h44. Disponível em: https://www.ceale.fae.ufmg.br/pages/view/magda-soares-responde-4.html
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Sugestões de atividades com base na Teoria da Psicogênese da Língua Escrita. Curitiba, 2020. Disponível em: https://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-06/sugestoes_atividades_conforme_teoria_psicogenese_escrita.pdf